O Último Ruivo é uma obra de ficção científica que se passa em um mundo distópico onde a sociedade é controlada por um governo autoritário que valoriza a perfeição genética e física. O enredo gira em torno de Marcelo, um jovem ruivo com uma condição genética única que o torna alvo de discriminação e perseguição. Sua mãe, Úrsula, luta para protegê-lo em meio a um ambiente hostil e opressivo. A narrativa aborda temas como manipulação genética, controle governamental, discriminação e resistência, explorando questões éticas e morais relacionadas ao avanço da ciência e da tecnologia. A história apresenta reviravoltas, conflitos e personagens complexos que refletem as tensões de uma sociedade distópica. Com elementos de suspense, mistério e tensão, O Último Ruivo, de Clayton De La Vie, cria uma atmosfera envolvente e instigante, convidando o leitor a refletir sobre as consequências da busca pela perfeição e do controle totalitário. A obra combina elementos de ficção científica com críticas sociais, oferecendo uma visão provocativa e especulativa sobre um possível futuro sombrio.
A narrativa distópica e a crítica social presente no livro remetem a influências de obras clássicas do gênero, como "1984" de George Orwell e "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley, que exploram sociedades controladas por governos totalitários e questões éticas relacionadas ao avanço da tecnologia, muito embora não sejam feitas diretamente. Há ainda elementos do documentário Arquitetura da Destruição, quando trata-se sobre militarismo e arianismo dentro da narrativa.
SINOPSE: No ano de 2257, a humanidade alcançou a singularidade tecnológica, sendo governada pelo autointitulado Suserano, um cientista que, em nome de um ideal utópico, realizou upload de sua consciência para a Internet pouco antes de morrer. Após uma chacina provocada por robôs policiais num albergue na Cidade 1223, a repórter Diana mergulha numa investigação com raízes nas mais profundas estruturas de poder do Governo. Para isso, ela se aliará ao seu novo namorado, Pietro; Quorra, sua irmã, que faz parte de um grupo hacktivista; Carlos, líder de um grupo revolucionário batizado de MK Ultra, que busca se manter financeiramente traficando softwares de ondas binaurais; e SME-4, um sintozoide experimental fugitivo. Ao mesmo tempo, ela e seus aliados se verão perseguidos pelo Detetive Edson, um implacável androide que fará de tudo para proteger o Governo e a paz social. Um dos aspectos fundamentais da literatura, mesmo que algumas obras mostrem isso apenas sutilmente em pequenos artifícios, é a necessidade em se dialogar a respeito do cenário político e social de determinada época. E o cyberpunk, enquanto ficção científica, é inteiramente construído em cima de críticas, visando não somente ampliar os horizontes que os leitores têm sobre aquele regime como também fazer um alerta sobre como a sociedade pode se deteriorar ao longo dos anos quando as pessoas se acomodam e seguem à risca o que lhes é imposto. Poder Absoluto, do Jean Gabriel Álamo, é a prova de que, quando nos deixamos ser conduzidos, não podemos prever, muito menos controlar, as situações que virão a seguir. No ano de 2257, uma entidade autointitulada Suserano controla o mundo com mãos de ferro. Era uma cientista que, praticamente em seu leito de morte, realizou upload da sua consciência para a Internet e, a partir daí, conquistou aos poucos todas as tecnologias da Terra. E, num mundo em que até os humanos utilizam engenharia mecânica em seus corpos (principalmente para realizarem trabalhos na esperança de não serem substituídos por androides) seria normal temer uma entidade que não somente observa tudo como tem total controle sobre diversas funcionalidades eletrônicas. Suserano é o Governo, a Igreja, todas as corporações que de alguma forma abusam da sua tecnologia como meio de controle social ou lucro. Nesse cenário de temor, um grupo de hackers tenta desvendar os segredos mais obscuros da hierarquia do Governo, aliados a um sintozóide, para tentar diminuir o controle do Suserano. E é justamente aí que toda a situação se desenrola. Quando falamos em ficção científica, logo nos vêm à mente a ideia de fórmulas e termos complexos demais para se entender, mas aqui devo deixar os meus parabéns ao Jean, que abordou de forma muita clara todo o processo de criação desse universo, elucidando como e por que determinada tecnologia era aplicada e, também, mostrando com destreza como aquilo conseguiria ser utilizado no mundo real se obtivermos os mesmos recursos ali expostos. E as notas de rodapé ajudam o leitor a se situar em referências a clássicos que não adeptos do gênero acabam se interessando em procurar. Eu queria dizer, sinceramente, que Poder Absoluto é divertido, mas muito pelo contrário, é uma trama de luta, desespero, aflição. É um reflexo de uma sociedade em ruínas, é o suspiro de um ideal preso na garganta que teima em sair aos pouquinhos como grunhidos. Poder Absoluto é a alma de um mundo que pede socorro. É triste, surpreendente. Real. SINOPSE: Baingani vive há século num sistema, a Política Vermelha manda e ponto final. Mas embaixo da sua cidade, embaixo da Praça Vermelha que já viu tanto sangue, embaixo das pessoas que já ouviram tantos gritos de tortura, se encontram os túneis. Túneis tão secretos quanto seus donos e a origem das Políticas. E são nesses túneis que se encontram as respostas. É em cada símbolo azul, que se encontra a resistência que lutará pela liberdade. Em um mundo onde homens lideram, o que você fará? O que fará quando está confinado à uma Política Vermelha, onde o mais simples ato de sorrir é completamente proibido? Embora eu não possa afirmar se essa é a linha definitiva de sua escrita, todos os livros da Esther Lya Livonius que eu li são embasados em críticas sociais, políticas e religiosas bem interessantes, e a autora escreve tão bem sobre esses temas que fica até difícil dissertar sobre mais esse belíssimo exemplar: É Proibido Sorrir. Dessa vez, novamente, a Esther fez uso de situações da sociedade moderna para enfatizar a carência de uma intervenção, seja ela qual for, para o aprimoramento da nossa comunidade terrestre, sobretudo no quesito liberdade individual do ser humano. No entanto, devo ressaltar, ao contrário de A Marcha dos Javalis (que recebeu uma avaliação muito positiva e que muito foi recomendado por mim), É Proibido Sorrir apresenta uma deficiência chata nas primeiras páginas do livro, que felizmente foi corrigida conforme a trama se intensificava, que é a necessidade exagerada de frisar que a Política Azul - representada apenas por mulheres, numa alusão aos princípios básicos do feminismo antes da revolução pela qual o movimento passou no início do século XX - luta pela igualdade entre gêneros, e não pela supremacia feminina.
A sociedade criada pela autora é regida por um sistema opressivo, que recai com maior intensidade sobre as mulheres. Mesmo que o termo "escravas" não seja mencionado na obra, a Política Vermelha, um governo dominado por homens, não as vê de outra forma: há leilões onde as moças, quando atingem a maioridade, são vendidas e têm de se submeter a todas as vontades do seu dono - vontades, essas, que podem variar do estupro à tortura mais cruel possível; isso, claro, se o homem não for burro a ponto de matá-la e perder o dinheiro investido na compra. Apesar de cruel, esse sistema escancarado - sem tempo para que o leitor possa respirar tranquilamente em momentos de romance do enredo antes de se ver envolvido em mais uma sessão absurda de tortura e muito sangue - é a grande sacada da obra e demonstra o envolvimento da autora com os acontecimentos mundiais do momento, além, é claro, de destacar a sua preocupação em fazer o alerta a quem ainda não conhece os perigos que podem afetar a sociedade ocidental com a crescente disseminação dos ensinamentos do Estado Islâmico - que reúnem desde a venda e compra de pessoas até a morte pela fogueira, que acontece muito na ficção da Esther. O livro pode parecer uma simples luta pela igualdade, o homem contra a mulher, mas é muito mais complexo do que isso: a mulher é privada do direito de sorrir, é obrigada a se submeter a diversas humilhações durante a sua vida; já o homem é também obrigado, obrigado a perpetuar esse tipo de sistema, a não agir como bem entende quando o assunto é relacionamento e está à mercê de uma série rigorosa de ensinamentos "masculinos". Em suma, É Proibido Sorrir mostra a resistência de mulheres, sim, contra um sistema opressivo determinado por homens, mas também deixa claro que a luta maior é de ideologias, sem gêneros, em prol da humanidade. SINOPSE: Acervo sombrio de Leonardo Otaciano e Matheuz Silva ocupado por tétricos vilões, criaturas sobrenaturais, elementos sanguinários, jovens possessos e um medonho palhaço, seres presenciados pelo leitor em âmbitos excêntricos e corriqueiros. O medo será um louvável companheiro durante as descobertas nefastas destes recontos. Analisar livros de contos, muitas vezes, é um trabalho – quase – hercúleo, visto que o autor não tem a obrigação de incluir em sua coletânea histórias que dialoguem entre si (a não ser pelo gênero, evidente), o que dá, em muitos casos, a sensação ao leitor de que determinada história está deslocada, perdida entre tantas outras, talvez pela falta de cuidado ao se trabalhar o enredo ou até mesmo pela estrutura ser totalmente diferente da que fora utilizada no restante. O fato é que, mesmo sendo uma tarefa difícil, novos autores têm se superado ao organizar o material antes de imprimi-lo. Se tratando de terror, esse cuidado em, antes de tudo, preparar uma antologia que, do primeiro ao último conto, não sofra qualquer mudança drástica – tanta na narrativa quanto ao clima fantasmagórico empregado - deve ser levado em consideração. Aqui não critico os autores que fazem uso de diversos artifícios superficiais a fim de manter a atenção do leitor, na literatura tudo é válido contando que a obra apresente conteúdo, mas deixo a seguinte observação: já parou para pensar que, embora a intenção do contista é ser breve e deixar determinada mensagem ou final aberto, isso pode, também, ser reparado, essas lacunas podem ser devidamente preenchidas sem que um conto interfira diretamente no andamento do outro? Leonardo Otaciano e Matheuz Silva fizeram exatamente isso em Loui, O Palhaço Medonho & Outros Contos Sombrios. Respeitando a intenção maior em se escrever conto, que é ser breve, ambos os autores desenvolveram onze contos que oscilam entre o terror mais sangrento e o mais sutil, abordando questões sérias com bastante naturalidade, incluindo nas nossas mentes os mais variados pensamentos, fazendo-nos arrepiar por inteiro. E foram além: há aspectos, pequenos fragmentos, em determinados contos que, ao longo do livro, vão formando um magnífico quebra-cabeças. Uma jogada de mestre que pouco vemos por aí, uma pedra preciosa oculta entre tantas obras que, para se manterem sempre ao agrado geral, se fecham a um único estilo de escrita, limitam o próprio vocabulário a frases, situações e sensações clichês que há muito definham. Em Loui, O Palhaço Medonho & Outros Contos Sombrios não há um ápice de terror, pois todos os momentos que rodeiam a leitura trazem à tona um misto de preocupação e euforia. A frase inicial do primeiro conto, Loui, o Palhaço Medonho (que dá nome ao livro) é “esta história é sobre o medo”. Arrisco a dizer que a intenção dos autores ao escreverem a frase acima não foi a de dizer, unicamente, que só esse conto trata sobre o medo, afinal Loui é um dos fragmentos que aparecem em algumas – horripilantes – situações de outras histórias e, com ele, o medo sempre está presente. Talvez não para você, leitor, que não se apavora quando vê um palhaço estampando um sorriso maligno enquanto segura um machado, mas certamente para os personagens, os mesmo que se cagam simplesmente por terem de apagar a luz antes de dormir, o medo estará lá. Atrás do Medonho. O meu comentário a seguir pode parecer tendencioso, já que, além de amigo, sou fã de um dos autores, do Leonardo Otaciano, mas posso assegurar que a coletânea é um prato cheio para os amantes de terror, que sempre leram Robert W. Chambers e Edgar Allan Poe, e é um banquete mais que especial para os jovens que, durante a infância, ouviam os diversos “causos” do interior: a narrativa dos autores lembra bastante a forma com que os “velhos” adoravam entreter a molecada com histórias de terror em volta de uma fogueira quando a lua atingia o seu apogeu. OBS: o livro tem lançamento previsto para agosto de 2016, pela editora Fonzie. Acompanhe as novidades no site e no facebook.
No dia 21 de março de 2015, há exatamente um ano, postei aqui no blog a primeira resenha de um livro nacional. Hoje, em singela homenagem a todos os títulos e autores que já passaram pelo Desenhando em Letras, posto um conto. Não um conto qualquer, mas um que foi composto com todos os títulos. Cliquem sobre eles para lerem a resenha. Acompanhem: — Venham, crianças. Venham ouvir os Contos de Som e Silêncio do vovô. — E foi desse modo que fui acordado pela minha mãe naquela tarde fria de inverno. Era certo que levantaria de imediato ao escutar que o vovô regressara de mais uma viagem e que contaria novas histórias, mas a Talita não pareceu muito contente; eu até já imaginava o porquê... — Mas o que aconteceu com as Histórias de Atréfora, vovô? — resmungou a minha irmã mais nova enquanto se assentava em um círculo malfeito que havíamos criado em torno do vovô. Ela era a única Entre Garotos, pois conosco ainda estavam os primos Brian e Breno. Era gêmeos. Idênticos. Minha mãe apenas nos deixou junto a ele e saiu para cumprir os seus afazeres domésticos. Vovô, o grande Magnum Juris, suspirou fundo, talvez a respiração estivesse mais fraca naquele momento devido ao avanço da idade. Eu já tinha notado o seu cansaço da última vez em que nos reunimos, mas o inverno parecia ter o castigado ainda mais. — Crianças, vocês serão Os Guardiões de todas as minhas narrativas. Atréfora acabou, finalmente descansou em um Mausoléu eterno: um livro! — disse ele. — O Nono e a Raposa Mestiça encontraram um lugar em Júbilo. E um novo ciclo se iniciou no mundo da criação; uma nova era, como queiram. E nessa era Som e Silêncio fazem barulhos simultâneos e se calam às vezes, somente quando as bocas param de gritar. — Talvez sejam os barulhos e os silêncios que compõem a Metamorfose da Vida, não é mesmo, vovô? — sugeriu Breno, ainda tímido. Eu nunca entendi o porquê de ele ser tão fechado na presença do vovô. Acho que o respeitava demais e, por isso, limitava as suas palavras. — Exatamente, são Coisas do Coração, entende? Ninguém consegue definir com exatidão como a metamorfose ocorre ao longo do fio que tecemos na vida, mas as suas palavras, sim, têm sentido — vovô sorriu. Era reconfortante vê-lo assim, feliz, depois de tudo o que aconteceu. A Boneca Fantasma. Foi o que disse ter visto no túmulo da vovó pouco depois de ela ter sido sepultada. Ainda recordo-me de como ele chegou apavorado aqui em casa e do quanto de suor pingava pelo assoalho formando uma linha torta que ia de um extremo a outro da sala. — Quando a Neve Cai costumo contar as histórias — explicou calmamente. — Mas ouvi no noticiário que não haverá neve este ano. Acho que devo voltar no ano que vem para que vocês possam se aterrorizar com os relatos das minhas aventuras. Ainda haverá A Marcha dos Javalis em fevereiro? — questionou mais para si do que para nós, ao mesmo tempo em que se levantava e ia de encontro à porta. — Isso é tão injusto, vovô — protestou Brian, se pondo de pé. — Volte e nos conte as suas aventuras. A neve pode não cair, mas O Príncipe Congelado ainda se mantém em gelo. Vovô se paralisou na entrada e deixou um sorriso um tanto macabro dominar o seu rosto. De uma só vez virou-se contra nós e riu diabolicamente. — Leon... — Não, eu sou Brian. Não tem Leon aqui — interrompeu o meu primo. — Leon disse certa vez que Ocultos estavam eles entre nós — continuou o vovô como se nunca tivesse sido interrompido e mantendo o sorriso sombrio na cara. — Ao todo são Dezesseis, segundo ele, mas O Clã dos Quatro Guerreiros desmente esse número. Engolimos em seco. Sabíamos aonde ele ia chegar com toda aquela conversa, e até as nossas espinhas resolveram congelar. Meu coração, se tivesse um pouco de coragem, partiria do meu corpo, faria uma teresa com as minhas tripas e escalaria o meu interior até conseguir a liberdade saindo pela minha boca. — De... deuses?! — gaguejou Talita. — Dezesseis deuses em busca de ferramentas inúteis? — As Ferramentas dos Deuses detêm mais de oitenta por cento do poder das divindades, é que dizem — ria vovô. — E, segundo também o que dizem, três de vocês nesta sala estão com algumas dessas ferramentas. Os deuses, mesmo com menos de vinte por cento do seu poder, podem vaporizar a todos com apenas um olhar. — Mas o que o clã de guerreiros tem a ver com tudo isso? — perguntei. — São guerreiros, não deuses — argumentei. — Era o que pensávamos, também, querido. Mas não. Eles são deuses. Os únicos de que temos notícia, mas já estão com as suas ferramentas. — O senhor acredita mesmo que possa haver mais deuses aqui na Terra? — Breno falou tão baixo que até hoje me pergunto como vovô conseguiu escutá-lo. O velho tinha muitos segredos, disso eu sabia. — Eu acredito em tudo, menos que A Morte Veste Roxo. Isso é, sim, um absurdo. O roxo cai tão bem em uma senhora de milhões de anos como O Medalhão Ígnis nas mãos de algum príncipe vingativo. — Esse não é um Relato Inspirado por Orelhas? — Talvez seja, Brian, talvez não — pareceu responder ele. — Faz diferença se A Rainha da Primavera se tornará A Herdeira de Ótavos um dia? São questões que de nada adianta indagar, pois todas as respostas para elas só o levarão para a estaca inicial: o grande abismo arredondado do número zero. Observei todos na sala pelo instante que me pareceu uma eternidade. Meus primos e a minha irmã mantinham expressões sérias, e o meu vô trazia um ar enigmático que até então jamais tinha visto, ou simplesmente visto e esquecido quando ainda era pequeno. O Pingente de Sangue, como eu chamava um amuleto dado por minha vó há tanto tempo que já não me lembro, ardeu como se uma entidade do Maldito Sertão o estivesse pondo no fogo do Inferno. Segurei-o com fúria e o joguei violentamente contra o chão. — Por que você fez isso, Guilherme? Foi um presente da sua avó — se surpreendeu vovô, ao pegar o amuleto caído no chão. — Desculpe, vovô, eu não sei o que deu nele. Começou a arder... — solucei. — Era como se, como se... — O Inferno explodisse em seu peito — interrompeu ele, assumindo na sequência uma expressão séria. — Sim... — balbuciei. — Como o senhor... — Escutem, as histórias ficarão para outra hora, crianças! — vovô andava em círculos enquanto falava. — A Caixa de Natasha foi aberta! — Caixa de Natasha?! — perguntaram em uníssono os gêmeos. — Quem é Natasha, vovô? — Talita se aproximou. — Nem eu sei ao certo, é uma habitante de Condão, aquele maldito e Desafiador mundo futurista além-mar, ela não pode cruzar os mares no La Viratta. Não deve! — Pela primeira vez, vi uma lágrima escorrer pelo rosto do vovô e cair sobre a sua jaqueta escura. Era estranha a visão, e eu fiquei preocupado. — A estranha lenda de Plátano e Bordo, a mesma que diz que uma mulher misteriosa apareceria aqui em Esquimolândia e deceparia a cabeça dos membros da família Basker — se apavorou Brian, enquanto tentava finalizar as palavras em um tom mais robótico do que o habitual. Um rangido na porta que dava acesso à cozinha chamou a nossa atenção; vimos mamãe entrar carregando uma bacia pequena. Suspiramos aliviados. — Nós somos a família Basker — concluiu Breno. Um baque poderoso no chão fez nossa atenção se voltar novamente na direção da cozinha. — E eu sou Natasha — consegui ouvir mamãe dizer vagamente. A última coisa de que me lembro foi de olhar para o chão e ver a cabeça do meu pai sair da bacia e rolar pelo aposento. Depois disso, só vi trevas. SINOPSE: Tecnologia robótica, petabytes, Direito Eletrônico. Esses termos fazem parte do cotidiano de Edwardo, um jovem que vive em uma sociedade ultratecnológica em que o controle da informação tornou-se o meio de referência para todos. Programador virtual, ele tem uma vida estabilizada, já que suas preocupações resumem-se ao trabalho, ao relacionamento amoroso com Sílvia, biogeneticista, e à amizade antiga e franca com Jânio, professor de História Moderna e especialista na teoria do Condão. No entanto, ao presenciar, involuntariamente, o assassinato de dois jovens por drones responsáveis pela segurança pública, sua vida passa a correr risco. Robôs-homicidas? Uma possibilidade que soa impossível para um software instruído a tarefas-padrão e funções extremamente mecânicas. Pelas regiões do Brasil, Edwardo arrasta Jânio e Sílvia em uma busca incessante para desvendar o crime. Só que, quando o trio descobre que essa investigação envolve vários fatos obscuros que influenciaram o atual nível de desenvolvimento dessa sociedade, uma nova realidade se revela de forma estarrecedora. Conforme observado na sinopse, a trama se inicia após um homem, Edwardo, se deparar com o assassinato de dois jovens por drones responsáveis pela segurança pública. Nos dias de hoje, contudo, seria natural se o homem não fizesse nada, sequer tentasse esclarecer o que se passou no local, mas, no futuro, com o avanço em relação à identificação de suspeitos e, também, com a chegada de uma nova tecnologia capaz rastrear qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo, Edwardo percebe que a sua vida está em perigo. Em primeiro lugar, por ter usado de uma droga, a ColdCo, que supostamente foi o estopim para que os drones assassinassem os rapazes. E, em segundo, por ter sido testemunha ocular do crime. Diferente de outras obras do gênero, embora mantenha aspectos comuns à ficção científica apresentando reflexos principalmente de Admirável Mundo Novo, Condão se destaca pela abordagem política, explorando, dessa forma, as muitas facetas do sistema Judiciário, Legislativo e Executivo. Traçando de forma verossímil parâmetros que culminaram na construção de um novo planeta Terra, onde a população não mais vive sem os avanços tecnológicos, o autor, Giordano Mochel Neto, nos introduz a um mundo completamente plausível, pontuando de forma crível o porquê das diversas intervenções da tecnologia, elucidando conscientemente as falhas humanas que precisaram ser aprimoradas e, sobretudo, fazendo-nos questionar se o presente é mesmo o nosso porto seguro ou se precisamos com urgência desses reparos que foram citados. Não haveria o que se discutir diante da visão de um futuro tão impecável se não fosse um detalhe que está presente na maioria dos livros de ficção científica: as máquinas evoluíram demais. E é certo que, em uma sociedade onde todos se acomodaram com o conforto fornecido por drones, metrôs ultra velozes e outras dezenas de parafernálias, a população se torne refém das máquinas mal-intencionadas. Bacharel em Ciência da Computação, é evidente que o Giordano Mochel Neto apresentasse ao público uma obra aceitável em aspectos tecnológicos; no entanto, em Condão, percebemos que o cuidado do autor não está voltado somente a esse detalhe, mas também em todos as questões linguísticas, que foram respeitadas e mostraram, assim, que o livro de estreia é não apenas um prato cheio para os amantes dos livros futuristas, como mais uma excelente opção de leitura àqueles que não querem se preocupar com excessos de pronomes e tampouco se a vírgula está mal empregada em determinada oração. Com a criação de personagens marcantes, totalmente particulares e independentes, o enredo tornou-se uma aventura constante. Enfim, Condão apresenta as suas singularidades na medida certa e respeita as características que há muito acompanhamos escritas nas páginas de um livro ou estampadas nas telas do cinema. FICHA TÉCNICA
Título: Condão Autor: Giordano Mochel Neto ISBN-13: 9788542804584 ISBN-10: 8542804589 Ano: 2015 / Páginas: 396 Idioma: português Editora: Novo Século SINOPSE: Para Cristal Green a vida era perfeita. Ela tinha uma conexão tão forte com a natureza que a fazia passar muito tempo junto dela. Com a morte inesperada de seu pai, sua família se muda e o mundo de Cristal vira de cabeça pra baixo. Descobre, então, que sua vida vai muito além de tudo aquilo que imaginava, quando coisas estranhas começam a acontecer. Coisas como uma terrível nevasca em pleno verão! Capturada e levada para um reino mágico e invisível aos olhos humanos, sem entender o que estava acontecendo, a garota se vê perdida em um mundo totalmente diferente do seu, belo e obscuro, estranho e maravilhoso ao mesmo tempo. E é nesse mundo que Cristal vai descobrir o que acontece quando a neve cai. Vivo dizendo que um dos meus gêneros literários favoritos é fantasia, mas quase ninguém sabe o porquê. Agora, contudo, eu esclareço: a fantasia já foi - e continua - sendo muito usada e, portanto, nada parece que nos surpreenderá, afinal já visitamos diversos mundos mágicos, atravessamos portais secretos, vimos profecias atrás de profecias e, sim, tudo é tão repetido, com uma mínima alteração aqui e acolá. O que muitas pessoas parecem não perceber é que são essas diferenças - mínimas ou gritantes - que tornam cada obra especial; essas singularidades que nos tiram o fôlego, por assim dizer. Quando a Neve Cai, o primeiro livro da duologia O Chamado do Dragão, do Ítalo Oliveira, também apresenta essas distinções que tanto admiro e, óbvio, mantém os clichês fantásticos que - pasmem - continuam a me surpreender. Diante do falecimento misterioso do pai, onde apenas o carro foi encontrado, Cristal, a mãe e dois irmãos são forçados a morar na casa da avó devido a diversas dívidas. Como se não bastasse, a matriarca ainda sofre com a perda do marido e apresenta sintomas de depressão. Por fim, no decorrer dos dias, acaba sendo internada e deixando os três filhos aos cuidados da Jana, a avó. É aí que acontecimentos estranhos começam a ocorrer em Denver, nos EUA, como uma nevasca em pleno verão. Deparada com a visão de um novo mundo, um mundo mágico repleto de seres estranhos, raças impetuosas e reis e príncipes cruéis, Cristal acaba por descobrir que é salvação de um povo oprimido, que precisa lutar ao lado de pessoas que jamais vira, mas sem ter ideia do porquê ou como deveria batalhar. Nessa jornada em busca por respostas, se depara com Hunter, um adolescente que pode ser a sua maldição, e com Nikolai, um príncipe que pode ser a sua salvação. Ao menos é essa a ideia que a garota, de apenas dezessete anos, tem. Estaria correta ao julgar as pessoas tão previamente? Embasado por mistérios e adrenalina, Quando a Neve Cai nos ensina que a magia vive dentro de todas as criaturas, mesmo que algumas não tenham conhecimento sobre o fato; aqui não falo somente da magia mundana - raios de luz, venenos malditos e tantos outros -, mas sim sobre a magia pura em essência: o amor fraterno, o amor entre homem e mulher, entre mãe e filhos, ou até mesmo o amor que nos faz olhar para o lado, perceber as dificuldades do outrem e, sobretudo, estender a mão para ajudá-lo. FICHA TÉCNICA
Título: Quando a Neve Cai Autor: Ítalo Oliveira ISBN-13: 9788584735273 ISBN-10: 8584735275 Ano: 2015 / Páginas: 290 Idioma: português Editora: Multifoco SINOPSE: A Caixa de Natasha e outras histórias de horror é o primeiro livro de Melvin Menoviks. O livro reúne vários contos misteriosos e assustadores que, jogando com possibilidades e perspectivas, retratam personagens atormentados, cativantes, enigmáticos e instigantes em situações extremas de medo, paranoia, desespero e devaneios. Os ambientes são sombrios, nebulosos, obscuros e evocam aquelas imagens de pesadelos e delírios que apenas os deliciosos assombros da verdadeira literatura de horror podem proporcionar. As histórias possuem finais surpreendentes e macabros que são o ápice de narrativas com tensões crescentes e situações medonhas. Não é novidade para aqueles que me conhecem que eu adoro terror, em especial pela capacidade que cada pessoa tem em expor os horrores da vida de forma natural; alguns autores com sua singularidade complexa, outros com versões um pouco macabras sobre os clássicos psicológicos. Terror é um gênero excitante, pois o escritor, enquanto narra, pode explorar diversos aspectos, como a mente de um homicida ou até mesmo a de uma pessoa cuja sanidade fora roubada após ver uma cena cruel de violência em casa quando o pai estourou a cabeça da mãe com uma ferramenta pesada. Enfim, horror, na sua essência mais sangrenta ou um tanto ousado adentrando o mundo espiritual, jamais deixará de me surpreender. A Caixa de Natasha e outras histórias de horror, do Melvin Menoviks, tende a reviver sensações que há muito adormecem no âmago do leitor, seja a ansiedade que jamais sentira, o medo que tinha se trancado na escuridão da alma ou o simples tremor de pernas que às vezes surge inconscientemente nos locais mais inoportunos. Um tanto clichê, mas a frase que usarei para descrever a obra é “um prato cheio”. E, ao meu ver, não houve uma entrada ou um mero acompanhamento, a degustação começa de forma ilustre já com o prato principal, o conto O Retrato Tétrico, que se tornou o meu favorito. Uma das poucas histórias narradas em terceira pessoa, O Retrato Tétrico mostra a vida do Alfredo, um garoto que, ao visitar a casa da avó, sente-se atraído e aterrorizado simultaneamente pela misteriosa visão de um quadro que retrata um menino. Sem saber quem é o menino pintado ou o porquê de estar ali sem que mais ninguém parecesse se interessar pela obra, Alfredo se sente cada dia mais curioso a respeito do quadro e, consequentemente, busca por respostas. O que ele não esperava é que nem toda busca traz algo bom em troca. Quando falamos em antologias, é natural que nos venha à mente a interligação dos contos, como uma ponte que precisa de suporte para manter-se em atividade; contudo, em A Caixa de Natasha e outras histórias de horror, o único artifício que o autor utiliza em sua construção é o suspense e o terror – que há em todas as histórias. São contos breves, que apresentam esses gêneros literários em milimétricas pontuações e mantém a sua distinção apresentando fatos estranhos, loucos e extasiantes. Todos, óbvio, com uma boa dose de sangue e adrenalina. O livro não é indicado somente aos amantes do terror, pois apresenta, além da carnificina, um teor histórico e reflexivo bastante latente. Os amantes de História podem se surpreender com O Garoto Que Pingava Sangue, que conta com a presença da Lady Elizabeth Bathory, a insaciável Condessa de Sangue, enquanto o leitor que se interessa por filosofia, sociologia e questões políticas se sentirá à vontade ao ler O Amigo Suicida e Vermelho. Nós Comemos Corações de Crianças é um conto atraente por ter sido conduzido de maneira bastante conclusiva desde o início. Trata-se da vida de um maníaco que, em depoimento, confidencia o porquê de ter matado e comido os corações de algumas crianças junto com a sua namorada. Nele, podemos observar claramente que a insanidade não está ligada somente a uma confluência de fatores catastróficos na infância, mas que qualquer um pode sucumbir a ela... só por curiosidade. Para ser sucinto em minha avaliação, não falarei sobre outros textos, afinal, ao todo, o livro é composto por dezessete contos, três poemas e uma novelata, A Caixa de Natasha, que dá título ao livro e encerra a obra. Com um amplo vocabulário, Melvin Menoviks nos conduz a histórias cada vez mais sombrias, pontuando mistérios na medida certa sem precisar recorrer a grudar o leitor e fazê-lo ler até a última linha para ter orgasmos de pavor, revelando-se, assim, mais um excelente autor da literatura nacional. Na obra há reflexos da escrita de grandes nomes do terror internacional, como HP Lovecraft, Edgar Allan Poe e Stephen King, entretanto, como mencionei acima, os textos trazem sua particularidade, nos revelam mundos macabros e, claro, fazem com que nossos sonhos se tornem um tanto... bem, perturbadores. Ficha Técnica:
Título: A Caixa de Natasha Subtítulo: e outras histórias Autor: Melvin Menoviks ISBN-13: 9788542803525 ISBN-10: 8542803523 Ano: 2015 / Páginas: 373 Idioma: português Editora: Novo Século (Selo Talentos da Literatura Brasileira) Sinopse: A Grande Sacerdotisa de Mystikal estava perdida na Terra, oculta entre os humanos. Os guerreiros que serviam ao seu trono a procuravam, porém, não eram os únicos. O Covem adversário estava em seu encalço, gerando uma terrível batalha quando ambos os grupos se encontraram, uma peleja que não seria vista pelos olhos humanos, mas que bagunçaria tudo ao seu redor. No meio de todo esse embuste, corações se encantam e, da mesma forma, se quebram. Os antigos laços se rompem, e o herdeiro legítimo de Mystikal luta contra o descendente dos Dragões da Lua Negra para provar sua inocência diante de um terrível assassinato... Sarcástico e intenso seriam excelentes adjetivos para classificar Ocultos, o primeiro livro da série Eclipse Sagrado, da Vanessa Araújo, se não fosse por um mínimo detalhe: ao público, enquanto o livro não é lançado, foram disponibilizados somente o prólogo e o primeiro capítulo. Portanto seria injusto adjetivar a obra completa com somente duas palavras, visto que, inicialmente, o impacto foi tremendo a ponto de eu perceber que o seu teor é sublime. Minhas primeiras impressões, no entanto, se resumem a esses dois adjetivos; não que o texto deixe a apresentar algo a mais, mas porque intensidade e sarcasmo são marcas registradas no período inicial da obra, que conta com a fuga desenfreada de um grupo de amigos - talvez sejam, também, amantes - de um hospício. É inacreditável que em tão poucas páginas a autora conseguiu fornecer ao leitor um panorama amplo - estupendo, ressaltaria -, deixando evidentes a sede de conquista de cada personagem, tal como a personalidade forte de todos - regada a boa dose de resmungos e a um linguajar afiado -, e o desejo por liberdade. Não há como se concluir o que é e o que não é cada personagem, assim como não posso mencionar a importância de cada um na trama, mas, sem dúvida, posso garantir que os próximos capítulos se tornarão ainda melhores. Talvez até insanos, se depender da Kendra. Ficha Técnica:
Título: Ocultos Série: Eclipse Sagrado Autora: Vanessa Araújo Editora: Percurso Formato: 16 X 23 cm Páginas: 362 ISBN: 978-85-5637-000-6 Tema: Fantasia, Ação, Aventura A estrada que se estendia como um enorme tapete cinzento diante dos garotos estava vazia. Decerto devido ao horário em que ambos insistiram em perambular pela região. Talvez não houvesse necessidade de andar justamente ali, naquele deserto de asfalto, pois, há pouco tempo, tinham passado por uma encruzilhada que dava acesso direto à casa de um deles. Do mais novo, Fernando, que não tinha mais que treze anos. O mais velho, Bruno, tinha dezesseis, mas transmitia uma tranquilidade que ele próprio não conseguia encontrar nos momentos em que mais precisava.
A ideia de, naquela noite, mudar o trajeto que faziam havia um mês partiu do Fernando, que, ainda não sabendo definir o que sentia pelo amigo, tramava encostar Bruno em um canto qualquer, à vista apenas da lua que se erguia bela no céu, e beijá-lo. Assim, concluíra, tiraria de uma vez a dúvida que pontou em seu âmago; bastou ver o amigo sem camisa, durante um banho de piscina, que o garoto sentiu um ardor inexplicável se acendendo entre suas partes íntimas. Bruno não tinha um corpo definido ou barba, sua pele era esbranquiçada como se há muito não tivesse vida e, ainda, sua extrema magreza deixava acentuada sua saboneteira. Fora por ela, inclusive, que Fernando se interessou de forma imediata. Ainda não entendia o porquê, ou como aqueles dois ossinhos salientes no corpo do amigo o fizeram ter uma súbita ereção, mas pretendia descobrir. Era preciso descobrir. Não se via como homossexual, essa ideia nem havia se passado em sua mente juvenil, Fernando tinha convicção de que se sentiu atraído pela saboneteira, mas queria beijar o amigo para provar a si mesmo que não era viado e, também, aproveitar o momento para fazer o que ansiava desde que viu o peitoral desnudo do Bruno: morder a saboneteira, tentar, ao menos, sentir a ternura da pele que a recobria. Andaram por muito tempo, sempre seguindo em linha reta, enquanto os braços negros da noite pareciam envolvê-los cada vez mais. A estrada fazia curva um pouco mais adiante. Era ali o lugar escolhido. Era aquilo onde todas as suas dúvidas seriam respondidas, e os desejos, saciados. Fernando olhou para o amigo ao seu lado e sorriu. Bruno não prestara atenção, estava apreensivo por andar naquele bairro, e seu olhar mirava além do que a estrada podia oferecer: o nada. A cada passo, o coração do Fernando acelerava. Falta muito pouco para chegar ao destino... tão perto. Tão seguro. Tão escuro. Tão lindo... Chegavam à curva quando foram surpreendidos por um homem encapuzado. Na mão direita levava um facão afiado, que não tardou a decepar a cabeça dos garotos. Nem puderam gritar, nem puderam correr, sequer viram de onde o sujeito surgira, apenas ficaram imóveis, mortos... sob a estrada que se estendia como um enorme tapete cinzento. |
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